sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Direito como pena

No universo das medidas socioeducativas em São Paulo o quadro, ainda que multifacetado, não deixa margens para dúvidas em alguns de seus aspectos centrais. Por exemplo: se por um lado o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a medida socioeducativa de internação com uma exceção, por outro lado sabemos que a aplicação dessa medida não raras vezes é banalizada, chegando a gerar sentenças mais severas do que para adultos em situações similares e a promover superlotação nas unidades da Fundação CASA.

Outro fato: adolescentes quase na sua totalidade pobres, na sua maioria negros e pardos, são submetidos a um sistema de justiça rico e branco. A classe social que tem nos familiares desses jovens suas empregadas domésticas, garçons, porteiros, babás, motoristas, seguranças e manicures (entre tantos outros empregos) é a responsável por acusar, julgar e condenar seus filhos.

E os condenados são esses que, como nós, desde cedo aprendem que consumir é a regra e que em nossa sociedade ter é o mesmo que ser. Pelo consumo que afirma a existência, vivem numa luta desesperada eternamente presa ao presente que sempre se renova em suas exigências. Mas, como ensinaria Bourdieu, logo percebem que nessa guerrilha simbólica seu lugar é dos perdedores e que nunca terão uma existência plenamente reconhecida. Que nunca terão humanidade. Notam que, ao contrário dos filhos daqueles que lhes apontam seus dedos julgadores, pouco podem num contexto de miséria, de desigualdades instituídas e de sucateamento de políticas públicas. As exceções, que tendem a diminuir com a obtenção do poder pelo governo federal mais branco e masculino desde o mandato do ditador Ernesto Geisel (1974-1979), servem para essa mesma elite alimentar discursos de meritocracia e justificar a imposição de seus valores com instrumentos como polícia e internação.

Aliás, são esses jovens o mesmo alvo de uma polícia violenta alimentada por uma mídia irresponsável e uma sociedade conservadora. Se a polícia tem seu papel constitucional dentro da segurança pública, também tem seu lugar como mecanismo militar de controle social a serviço de um grupo que disso se beneficia. Na Grécia antiga poucos poderiam ser considerados cidadãos – isso não é diferente nos dias de hoje. Enquanto na Rua Oscar Freire ou na Av. Higienópolis o homem de bem recebe sua proteção contra “mendigos”, “pedintes inapropriados” e “trombadinhas”, no Jardim Ângela, Brasilândia ou na Cidade Tiradentes são conhecidos os alvos do extermínio e da tortura de Estado. Diriam os compositores Eduardo e Dum-Dum que são em lugares como esses últimos que a marcha fúnebre prossegue.

Portanto, quando falamos de medidas socioeducativas na cidade de São Paulo, mais do que a aplicação da lei, estamos tratando de controle social. Assim como os princípios constitucionais são violados todos os dias e são criminalizados movimentos sociais, também os princípios que regem as leis voltadas para a infância e a adolescência nessa área são vilipendiados e substituídos pelo recrudescimento de mecanismos de controle.

Um, dentre alguns desses mecanismos, está hoje na ideia de exigência indiscriminada do quesito de obrigação de matrícula e frequência escolar. Há um discurso que centenas de nós já ouvimos de que não se deve abrir mão da obrigatoriedade da escola em todos os Planos Individuais de Atendimento. De que independentemente da idade, do desejo e do contexto de vida, todos os que cumprem medidas socioeducativas devem estar matriculados em escolas e deles deve ser exigida a frequência. Quando proferido, tal discurso já chegou a ser nomeado como "defesa intransigente de direito". Como a prática de um bem que produzirá muito mais frutos do que malefícios.

A defesa de direitos faz parte de uma guerra social. Ser brasileiro é saber, ainda que à distância, que os direitos a educação, cultura, saúde, moradia, assistência social, segurança, entre tantos outros, estão longe de atingirem sua plenitude. Que aqui eles são privatizados e destinados a quem por eles pode pagar. Num país de “terceiro mundo” no qual o termo “direitos humanos” é capaz de produzir escárnio, uma avaliação como essa não é nenhuma surpresa. Os movimentos sociais há décadas lutam pela efetivação de tais direitos para todos. Não é de hoje que reconhecem sua importância. A busca pelo direito a educação, por óbvio, faz parte dessas batalhas. Professores com salários dignos, capacitações constantes, estruturas físicas adequadas, currículos criticamente e democraticamente planejados, salas de aula com número reduzido de alunos, integração com a comunidade compõem uma ínfima parte das mudanças almejadas. E, no trabalho com adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, não há dúvidas de que o direito à educação deve ser plenamente garantido. Um direito ainda mais em perigo frente ao estigma que os “L.A.”, assim nomeados pejorativamente, carregam consigo.

Num contexto social, numa composição familiar, na história de uma pessoa, na formação de um PIA, o exercício desse direito encontra diferentes lugares. Não pode ser equiparada a situação de um adolescente de 12 anos com suporte de sua família que lhe dá condições e o estimula a estudar ao caso de um jovem de 19 anos morador de periferia, recém ingresso no mundo da paternidade e arrimo de família que foca no trabalho como meio para seu sustento e dos que estão ao seu redor. Nos dois extremos, perspectivas díspares. E entre um e outro, vários tons para diferentes vidas.

Dessa forma, quando alguém defende a matrícula e a frequência escolar como política pública imposta para o cumprimento de uma medida socioeducativa, ignorando os milhares de Planos Individuais de Atendimento que deveriam ser constituídos cada um à sua maneira, silenciando avaliações técnicas de profissionais capacitados atuantes em seus territórios, é de se perguntar a que isso serviria. Se se trata de fato de defesa intransigente, por que tão pouco se fala das práticas de tortura e de assassinato (nas ruas ou em unidades de internação), crimes hediondos e contra a humanidade que tem nesses mesmos adolescentes seu principal alvo?

A medida socioeducativa em meio aberto é também uma pena. Resultado de uma acusação de prática infracional, tem caráter obrigatório com riscos de expedição de mandado de busca e apreensão e de internação no caso de descumprimento. Quando seu cumprimento está atrelado ao exercício compulsório do direito à educação, esse direito também corre o risco de tornar-se um castigo. Risco esse também presente na coerção para o exercício dos direitos à profissionalização e a atividade laboral na contramão de Planos Individuais de Atendimento.

Não podemos ser ingênuos. A obrigatoriedade intransigente da prática de um direito, num contexto tão habituado a violações, não é a defesa de um grupo de adolescentes e foge da esfera da responsabilização. Sua vinculação compulsória ao cumprimento de uma medida socioeducativa em meio aberto apenas reforça seu caráter massificantes de controle e subjugação. Pobres controlados por ricos, negros subjugados por brancos da elite. Com o pretenso objetivo de salvação e resgate, valores de uma classe dominante se impõem a vidas que caminham na margem. Esse imperativo, no seu alegado bom mocismo, apenas as condena ainda mais. Sejamos claros: o direito, assim defendido, não passe de instrumento de domínio e punição.

Autor: João Bosco Baring


 
Emicida critica racismo no Brasil

Links interessantes:








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segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Seminário Temático: Epistemopolíticas da cidade contemporânea


Realização:
Laboratório de Pesquisa Social do Departamento de Sociologia (LAPS).
Projeto Temático FAPESP “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: a experiência paulista”
Coordenação: Profa. Vera Telles (USP)

Neste ciclo de debates propomos uma reflexão sobre os limites renovados e as articulações cada vez mais complexas entre mecanismos de gestão governamental e expedientes de luta social, também entre dispositivos de pesquisa e de intervenção. A proposta é aprofundar essa reflexão a partir de alguns campos de conflito situados, que se desdobram em diversas escalas e cenários, envolvendo os mais variados atores, cujos posicionamentos nem sempre se estabilizam numa figuração unívoca, mas cuja trama vai desenhando os contornos de um reconfigurado campo de possibilidades para o conhecimento e a prática política.

Os saberes da encruzilhada: militância, pesquisa e política no sistema socioeducativo.
Um debate com operadores do estado, com larga experiência em lidar com adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, mas que também pesquisam e produzem conhecimento, além de atuarem em múltiplas organizações não governamentais e coletivos de ativistas.Expositores: Operadores/pesquisadores de medidas socioeducativas.
Dia 13/9, 19hs – Sala 118, Prédio de Ciências Sociais e Filosofia (FFLCH).

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Direito Penal Juvenil: Entre direitos e violações

Sistema Penal Juvenil: entre direitos e violações.


Duração: Todos os encontros serão das 09h às 17h

Datas: 05/09, 19/09, 03/10 e 17/10.

Local: Em 05/09 o encontro será no Salão Nobre da Câmara Municipal. Nos demais dias os encontros serão no Auditório Prestes Maia, também da Câmara Municipal. Viaduto Jacareí, 100 - Bela Vista


Temas:
·         Sistema de justiça, Defensoria Pública e a superação do paradigma tutelar
·         Criminalização da Juventude
·         SINASE
·         O processo socioeducativo
·         Saúde mental e drogadição
·         Violência institucional e policial
·         Opressões de raça/etnia, gênero, orientação sexual

Palestrantes confirmados: Roberto Tykanori Kinoshita (Secretaria Municipal da Saúde); Flávio Frasseto (Defensoria Pública do Estado de São Paulo); Raul Carvalho Nin Ferreira (Defensoria Pública do Estado de São Paulo); Vanessa Alves Vieira (Defensoria Pública do Estado de São Paulo); Daniel Serra Azul (Ministério Público do Estado de São Paulo); Roberto Luiz Corcioli Filho (Tribunal de Justiça de São Paulo); Maria Helena de Souza Patto (USP); Maria Cristina Gonçalves Vicentin (PUC SP); Emiliano de Camargo David(Instituto AMMA Psique e Negritude); Marisa Feffermann (USP).



quinta-feira, 9 de junho de 2016

Aula Temática Interdisciplinar: Seminário 6

Política de Saúde e o Sistema Socioeducativo


Responsáveis: Professor Paulo Malvasi, Professora Luciene Jimenez


Convidados: 
  • Gustavo de Lima Bernardes Sales. Psicólogo, Conselheiro do CRP/SP, membro do Núcleo de Criança e Adolescente, Comissão de Direitos Humanos, coordenador da Subsede de Campinas CRP.
  • Wagner Batista Bezerra. Psicólogo CAPS-AD Itaquera.
  • Mônica Marques dos Santos- Psicóloga Fundação Casa, Ativista pelos Direitos Humanos de crianças e adolescentes em Mogi das Cruzes – SP. 

DIA 11 de junho
 SÁBADO, DAS 9:00hs às 13:00hs
Local: Universidade Anhanguera de São Paulo – Campus Marte. Av. Brás Leme, 3029 – Santana – SALA 18 (Perto do Metrô Santana)